Isadora Nunes Côrtes Gazire, Marina Alvarez Leite Gazzinelli, Arthur Brito Nunes Diniz
RESUMO – O presente estudo aborda o impacto do fechamento de válvulas em linhas de adução por gravidade, com ênfase nas válvulas borboleta e gaveta. A investigação foi conduzida por meio de simulações que revelam como diferentes tipos de válvulas, perfis e tempos de fechamento influenciam significativamente as pressões transitórias dentro do sistema, o que pode resultar em golpes de aríete e cavitação. Os resultados apontam uma diferença significativa entre os parâmetros hidráulicos obtidos para as diferentes válvulas, bem como revelam que o fechamento em etapas reduz efetivamente os picos de pressão, contribuindo para uma operação mais segura e eficiente. Além disso, o estudo sugere práticas recomendadas para a escolha de válvulas e estratégias de fechamento em sistemas hidráulicos industriais. Palavras-chave – transientes hidráulicos, modelagem hidráulica, fechamento de válvulas, válvula borboleta, válvula gaveta.
ABSTRACT – This study examines the impact of valve closure strategies in gravity-fed pipelines, particularly focusing on butterfly and gate valves. The research was conducted through simulations that demonstrate how different valve types, closure profiles and times significantly affect the transient pressures within the system, potentially leading to water hammer and cavitation. The findings reveal a significant difference between the hydraulic parameters obtained for the different valves, as well as indicate that staged closure strategies effectively reduce pressure peaks, thus enhancing safe and efficient operation. Furthermore, the study proposes recommended practices for selecting valves and closure strategies in industrial hydraulic systems.
Keywords – hydraulic transients, hydraulic modeling, valve closure, butterfly valve, gate valve.
INTRODUÇÃO
A gestão eficaz de sistemas de transporte de água por gravidade é vital para muitas comunidades e indústrias. No entanto, operações como o fechamento de válvulas nessas redes podem induzir transitórios hidráulicos, resultando em picos de pressão que frequentemente excedem os limites operacionais seguros. Diferentes tipos de válvulas, cada uma com sua curva característica inerente única durante o fechamento, influenciam significativamente as pressões transitórias geradas no sistema. Desse modo, compreender e quantificar esses efeitos é essencial para assegurar uma operação segura e eficiente, conforme destacado por Yuce e Omer (2019).
Transitórios hidráulicos, a exemplo do golpe de aríete, ocorrem devido a mudanças rápidas nas condições de fluxo, como o fechamento repentino de válvulas. Essas variações podem danificar componentes críticos do sistema, como tubulações e dispositivos de controle, e representar riscos significativos para a segurança dos operadores e a integridade das instalações. Além disso, quando a pressão do sistema cai abaixo da pressão de vapor do fluido, ocorre a cavitação, que pode resultar em picos de pressão adicionais quando o sistema é repressurizado.
Este estudo busca, portanto, analisar o comportamento do transitório hidráulico decorrente do fechamento de válvulas em um estudo de caso de uma adutora por gravidade, avaliando os efeitos de diferentes tipos de válvulas, tempos e perfis de fechamento nas pressões transitórias induzidas. Através de uma análise comparativa e detalhada das características de fechamento das válvulas borboleta e gaveta, diretrizes foram estabelecidas para minimizar os riscos associados e melhorar a eficiência operacional do sistema.
MÉTODOS Inicialmente, foram selecionados dois tipos de válvulas usualmente utilizadas e que possuem curvas características inerentes distintas. A análise prosseguiu com um estudo de caso em uma adutora por gravidade, em que foram explorados variados tempos de fechamento e diferentes perfis de fechamento das válvulas. Em cada configuração, avaliou-se os fenômenos transitórios gerados em relação aos limites operacionais do sistema.
Descrição do estudo de caso
O sistema de adução por gravidade (Figura 1) é composto por uma tubulação de aço carbono de 20 polegadas com espessura de 0,375 polegada e 1222 metros de extensão, interligando os reservatórios RU-01 e RU-02 de uma usina de beneficiamento de minério de ferro. Com um desnível de 10 metros entre os reservatórios, o sistema por gravidade permite uma vazão de 1625 m³/h sem a necessidade de bombeamento. Próximo ao reservatório RU-02, há uma válvula de bloqueio (VA-01) para interrupção do fluxo quando necessário.
Figura 1 – Perfil elevatório da linha de adução por gravidade
Foram avaliados dois tipos de válvulas comumente utilizadas para interrupção do fluxo em sistemas de escoamento por gravidade: gaveta e borboleta. O comportamento do sistema frente às manobras dessas válvulas foi estudado, considerando diferentes tempos de fechamento e modos de fechamento distintos: linear e em duas etapas.
Seleção dos tipos de válvulas e dos tempos de fechamento Tipos diferentes de válvula possuem mecanismos de fechamento distintos que impactam diretamente a aplicação de cada uma delas. As válvulas gaveta são amplamente utilizadas devido à sua capacidade de oferecer um fechamento hermético, minimizando vazamentos, e à sua eficiência em aplicações nas quais o fluxo precisa ser totalmente interrompido (WU et al., 2019). As válvulas borboleta são preferidas em situações em que o espaço é limitado e que requeiram uma operação rápida, devido ao seu design compacto e à maior resistência ao fluxo quando comparada com as válvulas gaveta (ZHANG et al., 2024). As diferentes características de fechamento dessas válvulas influenciam diretamente os transitórios hidráulicos no sistema, por isto a análise comparativa dessas características é essencial para uma seleção adequada do dispositivo a ser empregado no processo.
Conforme definido na ANSI/ISA-75.01.01 (2012), o coeficiente de descarga (Cv) de uma válvula é uma medida da capacidade de escoamento através da válvula, já que consiste no volume de água (em GPM) que deve fluir para que a perda de carga seja igual a 1 psi. Curvas características relacionam a porcentagem de abertura da válvula à porcentagem do Cv, oferecendo uma representação visual de como a válvula modula a vazão de água em diferentes níveis de abertura. Essas curvas são importantes para entender o comportamento da válvula sob várias condições operacionais, pois mostram que, à medida que a válvula abre ou fecha, o Cv varia, influenciando diretamente a perda de carga e as pressões transitórias no sistema. Válvulas com altas porcentagens de Cv em pequenas aberturas tendem a permitir grandes vazões com baixa resistência, resultando em transitórios hidráulicos mais intensos durante o fechamento devido às rápidas mudanças no fluxo. Válvulas que apresentam um aumento gradual no Cv com a abertura fornecem um controle mais preciso do fluxo, o que pode mitigar os picos de pressão e reduzir os efeitos adversos do transitório ao longo do fechamento.
De forma prévia ao estudo, analisando apenas as curvas características inerentes de cada válvula apresentadas na Figura 2, é possível observar que a perda de carga na válvula gaveta é menor do que na borboleta para um mesmo grau de abertura. Isto pode ser explicado pela diferença entre os mecanismos de funcionamento das válvulas, que faz com que a superfície de contato entre o obturador e o fluído seja menor na válvula gaveta, reduzindo, assim, a resistência ao escoamento.
Figura 2 – Curva característica inerente das válvulas gaveta e borboleta
Outro importante fator para o transiente hidráulico é o tempo de fechamento da válvula (t), pois movimentos mais rápidos do fluido resultam em oscilações de pressão mais intensas ao longo da tubulação. O período da tubulação, definido como o tempo que uma onda de pressão transitória leva para percorrer até um ponto de reflexão (como um reservatório) e retornar, é representado por λ. O presente estudo estabeleceu tempos de manobras lentas (t > λ) com o objetivo de avaliar o impacto do tempo de fechamento das válvulas nas pressões transitórias do sistema.
Configuração do sistema e parâmetros de operação A modelagem hidráulica do estudo de caso deste artigo foi realizada, utilizando-se o software HAMMER® CONNECT Edition, amplamente empregado em diversas indústrias para análise de transitórios hidráulicos em infraestruturas, já que calcula escoamentos transitórios com precisão por meio do Método das Características (MOC).
Inicialmente, cada tipo de válvula foi avaliado em dois tempos de fechamento distintos: 5λ e 15λ, considerando o fechamento linear em uma única etapa. Posteriormente, foram avaliados cenários de fechamento em etapas, em que o processo de fechamento foi dividido em duas fases, com intervalos de tempo distintos para cada uma delas. Foi realizado o fechamento de 80% da válvula em 20% do tempo total e de 20% restante nos demais 80% do tempo considerado, conforme sugerido por Swaffield e Boldy (1993). Para isto, foram testados diferentes tempos de fechamento até que se atingiu um resultado satisfatório para cada uma das válvulas consideradas.
Essa abordagem visa comparar os efeitos do fechamento gradual em etapas com o fechamento linear, proporcionando uma visão mais abrangente sobre como diferentes estratégias de fechamento podem mitigar os picos de pressão e garantir a operação segura e eficiente do sistema de escoamento por gravidade.
Foram considerados coeficientes de descarga de 25000 GPM/psi0,5 e 30000 GPM/psi0,5 para as válvulas borboleta e gaveta respectivamente, conforme consultado em catálogos de fornecedores.
RESULTADOS E DISCUSSÃO Após definidas as condições iniciais necessárias ao modelo hidráulico, realizou-se a simulação do fechamento da válvula VA-01 para os diferentes cenários propostos e a celeridade foi calculada em 1100 m/s. Considerando que a válvula está a 1100 m do reservatório de origem (RU-01), o período da tubulação (λ) foi calculado em 2s. Ainda, a partir da avaliação da pressão crítica de colapso, foi constatado que a tubulação resiste ao vácuo total em seu interior. Cenário 1 – Válvula borboleta com fechamento linear em 5λ (10 s) A Figura 3 apresenta as envoltórias de cargas piezométricas máximas e mínimas para o Cenário 1. Os resultados indicaram que a onda de pressão negativa que segue às primeiras sobrepressões faz com que a pressão de vapor seja alcançada em praticamente toda a linha. Em grande parte do trecho, o sistema atingiu pressões superiores à MASP - maximum allowable surge pressure, conforme definido na ASME B31.4 (2022) -, sendo o valor máximo observado de 29,14 kgf/cm², imediatamente a montante da VA-01. Diante desses resultados, evidencia-se que o cenário analisado não é adequado para as condições operacionais do sistema.
Figura 3 – Envoltórias de cargas piezométricas: Cenário 1
Cenário 2 – Válvula borboleta com fechamento linear em 15λ (30 s)
A Figura 4 apresenta as envoltórias de cargas piezométricas máximas e mínimas para o Cenário 2. As cargas mínimas e máximas não atingiram a pressão de vapor nem a MASP, indicando que o tempo e o perfil de fechamento avaliados são adequados para o funcionamento seguro do sistema. A pressão máxima observada foi de 12,17 kgf/cm², imediatamente a montante da VA-01.
Figura 4 – Envoltórias de cargas piezométricas: Cenário 2
Cenário 3 – Válvula borboleta com fechamento em duas etapas em 5λ (10 s) Conforme evidenciado na Figura 5, as cargas hidráulicas máximas e mínimas do sistema não atingiram a pressão de vapor da água nem a MASP, sendo a pressão máxima observada de 11,46 kgf/cm², imediatamente a montante da VA-01. Nesse sentido, a estratégia de fechamento se mostrou adequada.
Nota-se, portanto, que a adoção do fechamento em etapas permite a redução do tempo total de fechamento da válvula, na medida em que reduz as pressões transitórias e, com isto, reduz os picos de pressão gerados pelo transiente no sistema (HAN et al., 2022; YUCE et al., 2019). Isto decorre do fato de que o maior distúrbio no sistema é causado pelo fechamento final da válvula, uma vez que a maior redução do fluxo ocorre nessa fase do fechamento (PROPSON, 1970).
Figura 5 - Envoltórias de cargas piezométricas: Cenário 3
Cenário 4 – Válvula gaveta com fechamento linear em 5λ (10 s)
A Figura 6 indica que a carga hidráulica mínima atingida nesse cenário se igualou à pressão de vapor da água na maior parte do trecho de tubulação avaliado. Assim, ocorreu cavitação no sistema, com consequente formação de picos de pressão ao longo da tubulação, os quais superaram a MASP na maior parte do trecho estudado e evidenciaram a inviabilidade dessa estratégia de fechamento. O maior pico ocorreu imediatamente a montante da VA-01 no valor de 48,42 kgf/cm².
Figura 6 – Envoltórias de cargas piezométricas: Cenário 4
Cenário 5 – Válvula gaveta com fechamento linear em 15λ (30 s) A Figura 7 mostra que, apesar do prolongamento do tempo de fechamento linear da válvula gaveta, as cargas hidráulicas resultantes no sistema ainda não alcançaram um patamar adequado para uma operação segura e eficiente, visto que tanto a pressão de vapor da água quanto a MASP foram atingidas. A pressão máxima de 38,81 kgf/cm² foi alcançada pelo sistema imediatamente a montante da VA-01. Esses resultados evidenciam que, para condições similares, o fechamento de uma válvula gaveta gera um transiente de maior magnitude do que o fechamento de uma válvula borboleta, conforme esperado pela análise das curvas características inerentes dessas válvulas.
Figura 7 – Envoltórias de cargas piezométricas: Cenário 5
Cenário 6 – Válvula gaveta com fechamento em duas etapas em 45λ (90 s) O transiente hidráulico causado pelo fechamento em etapas não implicou em riscos à integridade do sistema, na medida em que as cargas hidráulicas máximas e mínimas não atingiram nem a MASP, nem a pressão de vapor da água. O maior valor de pressão ocorreu imediatamente a montante da VA-01 e assumiu o valor de 9,39 kgf/cm². No entanto, o tempo de fechamento total da válvula gaveta nas condições avaliadas no Cenário 6 foi de 90 segundos, o que pode ser inviável do ponto de vista operacional, a depender da criticidade do trecho avaliado.
Figura 8 - Envoltórias de cargas piezométricas: Cenário 6
Comportamento da carga hidráulica na válvula ao longo da simulação Ao se realizar o fechamento de uma válvula, o escoamento não é interrompido de forma imediata, na medida em que o fluido é dotado de inércia. Diante disto, a carga hidráulica na válvula aumenta no instante em que ela começa a se fechar, o que gera um diferencial de pressão entre a válvula e o trecho a montante desse dispositivo, com consequente efeito sobre a direção do escoamento. Com isto, a pressão na válvula oscila por um determinado intervalo de tempo até que o sistema atinja o regime estacionário. A duração do regime transiente, bem como a magnitude das pressões na válvula são influenciadas pelo tipo de válvula utilizado e pelo tempo e modo de fechamento adotados, conforme evidenciado na Figura 9 e na Figura 10 para os seis cenários avaliados neste estudo
Figura 9 – Oscilações de carga na válvula borboleta decorrente de diferentes esquemas de fechamento
Figura 10 - Oscilações de carga na válvula gaveta decorrente de diferentes esquemas de fechamento
CONCLUSÃO
As análises desenvolvidas no presente trabalho demonstram a importância da realização de estudos com modelagem e simulação hidráulica para a definição do tipo de válvula a ser utilizado no sistema e da estratégia de fechamento mais adequada para garantia da eficiência e da segurança operacional. Os resultados indicaram que, em situações em que é necessário interromper o escoamento em um curto intervalo de tempo, deve-se priorizar a utilização de válvulas borboleta em detrimento da gaveta, preferencialmente com fechamento em duas etapas. Esse método se mostrou eficaz na mitigação de picos de pressão e consequente prevenção de danos causados por transitórios hidráulicos.
Para as válvulas gaveta, os fechamentos devem ser realizados em tempos significativamente maiores. Mesmo com a aplicação do fechamento em duas etapas, observou-se a necessidade de estratégias adicionais para minimizar os efeitos adversos dos transitórios hidráulicos. Uma possível abordagem futura seria testar o fechamento em duas etapas com diferentes porcentagens de abertura em cada fase para determinação da proporção ótima entre as etapas.
Como sugestão para estudos futuros, portanto, é recomendada a avaliação do impacto que diferentes porcentagens de abertura na segunda etapa do fechamento têm sobre os transitórios hidráulicos do sistema, bem como a análise do fechamento em sistemas mais longos – i.e., com maiores perdas de carga -, visando avaliar as diferenças entre as curvas características inerente e instalada das válvulas. Essas investigações podem contribuir para o desenvolvimento de diretrizes mais robustas para a operação segura e eficiente de sistemas de escoamento por gravidade.
AGRADECIMENTOS
À Blossom Consult pelo apoio e incentivo concedidos à equipe de Processo para o desenvolvimento deste artigo e demais iniciativas de compartilhamento do conhecimento.
Blossom Consult S.A. igazire@blossomconsult.com Blossom Consult S.A. mgazzinelli@blossomconsult.com Blossom Consult S.A. adiniz@blossomconsult.com
REFERÊNCIAS ANSI/ISA. ANSI/ISA-75.01.01 (2012). “Flow Equations for Sizing Control Valves”. Research Triangle Park, NC: International Society of Automation. ASME. ASME B31.4 (2022). “Pipeline Transportation Systems for Liquids and Slurries”. Two Park Avenue, NY: The American Society of Mechanical Engineers.
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YUCE, M.I., OMER, A.F. (2019) “Hydraulic transients in pipelines due to various valve closure schemes.” SN Appl. Sci. 1, 1110.
ZHANG, G.; HU, R.; YIN, D.; CHEN, D.; ZHOU, H.; LIN, Z. (2024). “Numerical Study of Cavitation Characteristics through Butterfly Valve under Different Regulation Conditions. Processes. MDPI AG.
PROPSON, T. P. (1970). “Valve Stroking to Control Transient Flows in Liquid Piping Systems”. Dissertation (Doctor of Philosophy – Department of Civil Engineering) – University of Michigan, Ann Arbor, Michigan.
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